Vasculhando pelo nordeste transmontano, já na extrema fronteira com Espanha, encontra-se a cidade de Miranda do Douro.
Impune na margem direita do Rio Douro, os grandes penhascos, o verde planalto e as gentes típicas são as paisagens mais imediatas do Concelho.
Quem vem a Miranda ouve falar o mirandês, dialecto que, em 1999, foi reconhecido como a segunda língua oficial portuguesa.
Aclamado “paraíso natural e cultural”, a cidade, do distrito de Bragança, faz jus à sua descrição. Os castros são um marco da localidade, remontando a sua história à Idade do Ferro. As ruínas arqueológicas, situadas em aldeias como Aldeia Nova (Aldinuoba) ou Vale de Águia (Bal d’Aila), são alvo de grande curiosidade dos que por lá passam, assim como as excursões pedestres que dão a conhecer o melhor da tranquilidade da natureza e os recantos mais escapatórios e mágicos que afugentam qualquer mão humana ou industrial.
Aqui tudo parece intocável. A natureza governa, por demais o seu espaço, acolhe a sua flora e fauna e transforma os penedos do rio Douro num parque natural a ser preservado.
Pelos caminhos repletos de vegetação alcançam-se ribeiros, cascatas e tapetes florestais. Refúgio para uns, local de lavoura para outros. Campos de pastagens são intermináveis. A vaca mirandesa segue a sua rotina de pasto com o seu camponês que a leva, ao amanhecer, para os extensos e verdes lameiros onde se tornam quase que livres. Para além das suas características tão particulares, esta raça de bovinos é guardada e escoltada pelos pastores que seguem os velhos mandamentos da pastagem. “O segredo é ter boas raças e ter gosto nisto”, conta o aldeão Mário Torrado. O mirandês lamenta que o interesse por estes hábitos se tenha perdido: “isto está a acabar, só os velhos é que cuidam disto”. Deste bovino provém a célebre posta à mirandesa, onde se vão encontrando tentativas de réplicas pelo país.
Também de cochinos (porcos), canhonas (ovelhas) e pitas (galinhas) se vive nas aldeias mirandesas. A matança do porco é comum entre os meses de Setembro e Outubro e as suas carnes diversas vão dar lugar ao fumeiro emblemático: tabafeias (alheiras), chouriços, chouriças, chabianos (chouriço doce) e botielhos (botelos) fazem as delícias dos habitantes e dos apreciadores da sua rica gastronomia.
A lã da ovelha é, ainda nas aldeias, desfiada na roca pelas mulheres acostumadas ao hábito desde sempre. Daí provêm algumas das suas peças de vestuário, feitas pelas mesmas.
Na cidade de Miranda, o comércio é um dos principais meios de rendimento da população. Curiosamente, a grande maioria dos clientes são os vizinhos espanhóis que procuram boa qualidade a um preço mais razoável.
Miranda do Douro possui artesanato muito característico, como as capas de honra. Antigamente, eram unicamente usadas pelos homens mais ricos que, inclusive casavam com esse traje. Mais tarde, os pastores começaram a adoptá-la, sem terem, no entanto, tanta ornamentação.
Os pauliteiros mirandeses são um dos pontos de maior atractividade. Estão presentes em todos os festejos da terra, animando as pessoas com arruadas e espectáculos da “dança dos paulitos”.
O “Tio Arribas”, como lhe apelidam, é um dos artistas que se mantém fiel à construção manual da emblemática gaita-de-foles mirandesa, fabricando quase todos os fragmentos que a compõem. Arribas conta que o seu intuito de sempre foi “arranjar um grupo de gaiteiros do concelho de Miranda para tocarem em conjunto, onde se sentisse só uma gaita”. O lema do grupo pressupõe que os tocadores têm que comer e beber, divulgando a sua gastronomia.
As tradições de Inverno
La Fogueira del Galho
Miranda do Douro é rica em tradições e costumes, com maior ocorrência no Inverno.
A Fogueira do Galo é um dos hábitos mais antigos. Na madrugada da véspera de dia de Natal os homens solteiros reúnem-se. Tomam um caldo verde na taberna em frente à Sé Catedral da cidade e aprumam os carros de bois clássicos para irem à lenha. Mulheres e homens casados estão banidos desta prática. Contudo, uma vez a cada cinquenta anos uma fogueira do galo é feita pelosos homens casados.
O dia é passado no meio de freixos, machados, pão, carne, lume, convivência e divertimento entre os jovens, que aproveitam para limpar os carrascos do monte. “Esta tradição já vem do tempo dos nossos avós e agora somos nós que estamos a tomar conta disto, porque nunca pode acabar”, explica Luís Pereira, um dos rapazes que desde criança participa no evento.
No final do dia, são eles próprio que carregam os carros para a cidade onde são acolhidos e saudados pela população. Acende-se uma fogueira gigante em frente à Sé e iniciam-se os festejos para a missa de Galo e o dia de Natal.
Festival Geada - Festival de Cultura Tradicional das Terras de Miranda
“BAMOS DERRETIR L CARAMBELO!”, ou "vamos derreter o gelo!" é o chamamento do evento, que decorreu Nos dias 26, 27 e 28 de Dezembro. Este ano, foi a sua terceira edição e contou com as actuações dos pauliteiros, das bandas Galandum Galundaina, Sebastião Antunes, Karrossel, Ogham, Uxukalhus e Roncos do Diabo.
A "Mirarte - III Exposição Artística da Juventude Mirandesa, arruadas, palestras, oficinas de danças tradicionais, oficinas de pauliteiros, oficinas de escrita e oralidade de língua mirandesa foram outras das actividades que reuniram os participantes.
O primeiro dia do festival foi marcado pela volta às adegas da cidade, durante a noite a dentro. Tabernas e adegas, que estão encerradas ao público, acolheram, nesta noite fria de Inverno, as multidões que rodavam de tasco em tasco para provarem e “aquecerem” com o vinho curado das pipas. O vinho tinto caseiro enchia as canecas de barro dos ouvintes, enquanto os cantares e melodias mirandesas serviam de banda sonora à noite transmontana. A simbólica gaita-de-foles, acompanhada do bombo e acordeão, recordaram os cânticos mirandeses que fazem por perdurar na memória desde os seus séculos primórdios.
El Concho na Raiç (O orgulho na raiz)
Num recanto de Portugal descobrem-se todas estas (e muitas mais) preciosidades culturais e naturais. Os habitantes, humildes de raça, esforçam-se para que todos os seus costumes inerentes ao planalto mirandês não se acabem e perdurem nas gerações vindouras.
A população está cada vez mais envelhecida, uma vez que os jovens se vão distanciando das suas raízes em busca de novas oportunidades fora da cidade. No entanto, não esquecem as suas origens e o orgulho na sua terra resplendece na face de cada um.